A lei nº 17.853, de 29 de novembro de 2022, aplica-se à cidade de São Paulo e regulamenta o funcionamento das ‘dark kitchens’
— Fonte: valor.globo.com
A cidade de São Paulo passou a contar com uma lei que regulamenta as “dark kitchens”, como são chamadas as cozinhas que preparam refeições para diversos restaurantes e despacham os pratos usando serviço de motoboys.
Mas a nova lei nº 17.853, de 29 de novembro de 2022, vem sendo criticada por moradores vizinhos das cozinhas industriais, que convivem com o cheiro de gordura, o ruído constante de exaustores e o fluxo de motoboys diante de suas casas, e pelas empresas que administram as “dark kitchens”. A associação de restaurantes Abrasel-SP diz que a lei pode ser melhorada.
Tenha uma Cozinha Industrial regularizada
Para a Kitchen Central e a Smart Kitchens, as duas principais gestoras de “dark kitchens” no país, a lei gera insegurança jurídica e inviabiliza o negócio. “A lei acaba com as ‘dark kitchens’, disfarçada de regulamentação”, diz Guilherme Vasconcelos, diretor da Kitchen Central, que tem dez operações na cidade de São Paulo.
A nova lei determina que empresas que desejam instalar novas “dark kitchens” em regiões com zoneamento misto, residencial e comercial, tenham um espaço limitado de até 500 metros quadrados (m2) e um máximo de dez cozinhas instaladas.
Atualmente, das cerca de 30 “dark kitchens” instaladas na cidade de São Paulo, segundo Vasconcelos, todas têm mais de dez cozinhas e espaços superiores a 500 metros quadrados.
Já as novas operações com um número superior a dez cozinhas deverão ser estabelecidas em zonas industriais, já que são classificadas como Ind-2 (Atividade industrial geradora de impactos urbanísticos e ambientais), segundo a Lei de Zoneamento da cidade.
Embora a lei não exija que as “dark kitchens” (também chamadas de “cloud” ou “ghost”) de grande porte já existentes mudem de lugar, o texto determina a não renovação de licenças de restaurantes que deixarem de operar nestes espaços maiores fora da zona industrial. “Como há um alto índice de rotatividade desses restaurantes, sem poder realocar o espaço, o negócio se torna inviável”, diz Vasconcelos.
“Faltaram parâmetros técnicos para a elaboração do requisito de até dez cozinhas em áreas mistas”, diz Gustavo Nogueira, diretor-presidente da mineira SmartKitchens, que conta com 8 cozinhas em cinco “dark kitchens” na capital paulista e outras quatro operações em Belo Horizonte (MG), Campinas (SP) e Fortaleza (CE).
Tanto Nogueira como o diretor da Kitchen Central afirmam que interromperam seus planos de expansão em São Paulo e que pretendem questionar a nova lei.
Nogueira, da SmartKitchens, informa que o setor formará uma associação para minimizar os impactos da nova lei. “Sem segurança jurídica favorável à atividade, haverá uma luta para que a lei não entre em vigor”, afirma. “Vamos judicializar a questão”.
A lei também prevê adaptações que devem ser feitas pelas gestoras de “dark kitchens” nos próximos 90 dias, incluindo estacionamento próprio e banheiros apropriados para motoboys, espaço interno para carga e descarga, instalação de abrigo de lixo próprio, sem nenhum contato com a atividade de manipulação de alimentos, limite de descarga de gases de exaustão e limite de emissão de ruído de acordo com o local.
Vizinhos de dark kitchens na capital paulista estão céticos quanto aos efeitos da lei, tendo em vista que as operações atuais serão mantidas onde estão.
“A operação com 30 cozinhas tem um número muito maior de motoboys do que a de dez”, afirma Pedro Serpa, sócio do escritório S2 GDC Advogados, que representa moradores vizinhos de “dark kitchens” nas zonas Sul e Oeste da capital. “Além disso, a lei nova não indica um horário de funcionamento para as ‘dark kitchens’, que podem emitir sons enquanto houver pedidos, inclusive de madrugada”.
Mariana Paker, moradora de um sobrado na Vila Romana, diz que o fato da lei não se aplicar a “dark kitchens” existentes é uma “luta perdida”. Há dois anos e meio, Paker convive com uma “dark kitchen” de 35 cozinhas instaladas em cerca de 1.000 m2 da Kitchen Central, aos fundos de sua casa. “Sigo convivendo com o cheiro e a gordura em casa e todo o barulho constante de um maquinário de porte industrial”, afirma Paker, que entrou com uma ação junto ao Ministério Público Federal contra a Kitchen Central, no fim de 2020.
A nova lei também traz um artigo que elevou para até 75 decibéis o limite de ruído emitido por shows e outros eventos em estádios em áreas residenciais. Este adendo ao projeto das “dark kitchens” foi questionado por cidadãos e empresários como uma motivação para acelerar a aprovação de um projeto, que deveria ter sido mais estudado.
O vereador Fabio Riva (PSDB-SP), um dos defensores da aprovação do projeto de lei na Câmara, argumenta que não houve pressa na aprovação: “Foram sete audiências públicas desde o início ano, mas a questão das ‘dark kitchens’ já havia sido discutida em comissões antes de chegar à Câmara”.
Riva diz que a lei é uma forma de selecionar as cozinhas industriais e evitar que sejam instaladas em qualquer local, o que, por uma brecha na lei antiga, acabou acontecendo. “Nada impede, em qualquer lei, que medidas mitigadoras possam ser exercidas pelo interessado. E nada impede que [a lei] seja revisada novamente no futuro”, diz. “É um primeiro passo que demos e não existe uma lei perfeita, mas que se adequa à realidade apresentada”.
Um ponto favorável da regulamentação, segundo Serpa, é a maior visibilidade da prefeitura sobre as operações de “dark kitchens”, que ainda não eram contempladas na Lei de Zoneamento de 2016. “O que a gente tinha até então era uma ausência de regulamentação, que permitia a classificação de ‘dark kitchens’ como restaurantes, co-workings e empreendimentos imobiliários”, disse o advogado.